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  • Foto do escritorRemi

5 - PRESENTE DE NATAL


Illustration @mehdi_ange_r (INSTAGRAM)

Estranhamente, nos primeiros dias após ter descoberto que era seropositivo, não me imaginava a contar aos meus pais. Uma das coisas mais difíceis para mim foi informar as pessoas à minha volta. Já estava a ter dificuldades em lidar comigo próprio, por isso lidar com os sentimentos dos outros não era uma prioridade.

Penso que um dia a minha irmã me disse: "Remi, não consigo guardar isto para mim.

Decidimos dizer-lhes pessoalmente na próxima reunião familiar. Preparámo-nos com muito cuidado para os tranquilizar o mais possível. M, a minha irmã, pediu informações à associação AIDES e pôde fazer todas as perguntas que tinha. Escreveu um texto muito pragmático sobre o que foi ser seropositivo em 2008.

Pela minha parte, depois, o que me incomodou foi o facto de ter esperado um longo mês antes de lhes contar. Mais ou menos senti que os tinha afastado, e embora não me sentisse culpado de todo, queria que eles soubessem o que aconteceu naquele dia em que descobri que eu era seropositivo e que sentissem que eles tinham estado lá. Assim, escrevi uma carta sobre esse dia a 26 de Novembro de 2008.

Chegámos a 24 de Dezembro, à casa da minha outra irmã, com determinação e medo, pelo menos para mim. No início dissemos que falaríamos sobre o assunto depois do dia 26, uma vez dados os presentes e terminada a refeição. No final, o 25º foi um horror. A minha irmã e eu estávamos à espera de nos libertarmos deste anúncio. Lembro-me que passámos um pelo outro num corredor da casa e olhámos um para o outro como se disséssemos "é isto". Deve ter sido às 23 horas daquela noite quando M pediu aos meus pais e a mim para nos encontrarmos. Penso que o marido de M tinha-se desviado um pouco do caminho. Não consegui abrir a minha boca. Foi M quem falou.

Lembro-me que eu e a minha mãe estávamos à minha frente, lembro-me dos seus gritos, das suas lágrimas.

Lembro-me de tudo.

Lembro-me da vergonha que senti (uma vergonha que não justifico mas que estava lá).

Senti-me como se estivesse a separar toda a minha família naquela noite, e obviamente que esse seria o nosso pior Natal de sempre. M continuou a liderar a conversa, tentou ser reconfortante e fez tudo o que pôde para absorver o pavor que pairava mesmo por cima de nós.

Apercebo-me de algo e não consegui explicar de todo. Não vejo o meu pai na minha memória, não me lembro da sua reacção, ou se ele tinha alguma palavra para mim. Talvez devesse perguntar-lhe?

Demos as nossas respectivas cartas à família: M o seu manifesto sobre ser seropositivo e eu sobre aquele famoso dia em que soube. Eles lêem. Falámos muito. Havia inevitavelmente uma questão: como?

Nunca respondi realmente a essa pergunta porque, no final, o que é que isso acrescentaria a tudo isto? O veredicto mudaria em função da minha resposta a essa pergunta? Não.

Fomos para a cama. Acho que dormi bem. Acordei a 26 de Dezembro preocupada com uma coisa: será que vão mudar? Vão lá estar? Lembro-me de ir lá abaixo tomar o pequeno-almoço no Dia do Boxe, e finalmente todas as minhas preocupações desapareceram imediatamente. Os abraços e beijos da minha mãe, os sorrisos das minhas irmãs e do meu pai.

Nada tinha mudado, excepto uma coisa: senti-os muito mais próximos de mim. Estávamos mais perto. Pode não ter sido o Natal que queríamos, ou a melhor altura para o anunciar, mas será que há uma boa altura de qualquer forma?

Tenho muita sorte e sei disso. Tenho o amor incondicional da minha família e isso é realmente um dom que aprecio plenamente. Conheci pessoas cujos pais não conseguem suportar quando os seus filhos se desviam do caminho que tinham planeado para eles. Dói-me quando ouço este tipo de história porque, embora estas pessoas digam que não se importam que a sua família os tenha abandonado, sei o quanto mais fortes eles podem ser com eles.


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