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2 - O CLIQUE


Illustration @mehdi_ange_r (INSTAGRAM)

Para a minha primeira história real, decidi partilhar convosco a origem do gatilho que tinha em relação ao lançamento do blogue.

Há muito tempo que escrevo para desabafar, sem ter necessariamente ninguém a ler nada. Sem escrever, penso que já não estaria aqui.

O gatilho foi um rapaz no sábado. O que estou a dizer? Não é só graças a ele, é também graças a todos os outros. É uma acumulação de todas as coisas que têm acontecido nos últimos dez anos. Mas sim, no sábado encontrei-me numa situação que não quero voltar a passar, e apercebi-me que tinha duas opções: ou continuava a sofrer terrivelmente de rejeição, ou deixava a minha voz sair para sobreviver. Parece ter escolhido a segunda opção.

Assim, conheci um rapaz há uma semana, depois de ter conversado com ele no Tinder durante alguns dias. Infelizmente, ele estava apenas de passagem por Bordéus, mas apeteceu-nos reencontrar-nos apesar da distância. Por isso, fui cordialmente convidado a passar o fim-de-semana em Nantes.

Fiz muitas perguntas a mim próprio sobre esta distância e foi apenas no último momento que decidi levar o meu carro para lá ir. Saí na sexta-feira à noite, sob uma chuva torrencial, o que não é muito surpreendente tendo em conta a época do ano na região. Detesto conduzir, ainda mais à noite, e ainda mais à chuva. Parece que eu queria mesmo ver este rapaz novamente.

Passámos o fim da noite a conversar, muito naturalmente, e eu não me fiz perguntas. Bem, talvez a questão de saber se ele gostava tanto de mim como eu dele, mas no final o facto de ele me ter convidado foi a resposta.

No dia seguinte fizemos um pouco de visita turística, pois eu não conhecia Nantes de todo, pelo que a visita turística acabou por ser uma parte necessária da minha estadia. Almoçámos com alguns dos seus amigos. Fiquei muito surpreendido com esta iniciativa mas, francamente, não me apeteceu de todo analisar o que se estava a passar. No final, tudo estava a correr bem. Tínhamos planeado encontrar-nos com o mesmo grupo de amigos para jantar nessa noite.

Depois de uma longa caminhada à chuva, decidimos ir para casa. Vimos um filme - um muito mau - e depois iniciou-se um segundo filme.

Tendo partilhado alguma intimidade durante a noite, a ideia de lhe dizer que eu era seropositivo não me deixou o dia todo. Durante todos estes anos, tenho-me assegurado de falar sobre isto o mais cedo possível antes que as coisas se tornem sérias, só para tirar o problema - que não é um problema - da minha cabeça. Descobri que até ser verbalizado não podia ser eu mesmo, o que é complicado quando se conhece alguém.

Pedi-lhe que parasse o filme porque tinha algo a dizer. Por isso, fui em frente, olho a olho, sentado no seu sofá, lado a lado, e confiei nele. Raramente tenho usado a minha voz para falar a um rapaz sobre o meu estado de seropositividade. Utilizei frequentemente outros meios, tais como a escrita, mas desta vez quis dizer-lhe cara a cara. Logo pude ver pela sua atitude que a pílula não estava a funcionar de todo.

A primeira coisa que ele me disse foi: "Estou definitivamente sem sorte. Naturalmente, estava preocupado em saber porquê. Acontece que uma experiência semelhante lhe tinha acontecido um pouco antes de me conhecer, e que aparentemente tinha tido uma experiência muito má quando o rapaz lhe tinha falado do seu estado de seropositividade. Recebi o discurso hipócrita "Obrigado pela vossa honestidade, sei que não pode ser fácil... Mas...".

O famoso "mas" que eu conheço tão bem. Mas o quê?

"Mas se há uma coisa de que tenho medo é de apanhar o VIH, por isso não vai haver uma sequela disto".

Assim, numa fracção de segundo passei de "Potencial namorado, nunca se sabe se vai bem" para "Oh meu Deus, aquele rapaz tem VIH, e por muito simpático que seja, não importa nada".

É o que tenho vindo a passar há dez anos. De repente, já não existo. Já não sou um ser humano, sou a encarnação do mal, da morte, dos medos socialmente ancorados, que obviamente já não têm lugar mas que, no entanto, persistem na nossa sociedade.

Não preciso de vos dizer a violência das palavras e o efeito devastador que tiveram em mim. Para o dizer de forma suave, senti claramente que tinha sido esmurrado na cara.

Deixei imediatamente a sua casa. Segurei as minhas lágrimas com muita força, não queria absolutamente desabar à frente deste rapaz. Honestamente, não me tinha apaixonado por ele à primeira vista, por isso no final não foi tanto uma desilusão sentimental, mas mais um cansaço geral e um cansaço de manter tudo dentro de mim para não envergonhar os outros, para os fazer sentir desconfortáveis, porque no final acabamos por ter vergonha de ser portadores do VIH. Sente-se culpado e o mais pequeno encontro torna-se pesado quando é levado a sério, porque sabe que terá de se revelar completamente.

Entrei no carro, já estava escuro e a chover ainda mais do que no dia anterior. Peguei no volante, sem derramar uma lágrima. Foi só mais tarde, enquanto falava com um amigo, que consegui expulsar o meu desapontamento. Mas mesmo antes de me sentir triste, o que eu sentia era raiva.

Não vos vou mentir, na auto-estrada passou-me pela cabeça um pensamento sombrio. Mas muito rapidamente me recompus e soube o que tinha de fazer.

Hoje estás a ler a minha primeira história, e espero que haja muitas mais. Este é sobre o que finalmente fez acontecer, outros serão sobre as minhas experiências passadas e futuras, com a minha família, amigos, colegas, amores, tratamento...

Em qualquer caso, acabo de dar um passo importante que, estou plenamente consciente disso, é susceptível de mudar profundamente a minha vida. Mas o que eu vejo agora é positivo. Está fora de questão que a ignorância e a discriminação continuam a extinguir-me, e a todos nós. Temos uma voz, vamos usá-la para contar a nossa história.

Hoje estou finalmente livre.




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