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12 - LIVRE


Illustration @mehdi_ange_r (INSTAGRAM)

Hoje quis expandir o acto de liberdade de expressão e tentar compreender porque é que tem sido tão importante para mim.

O que é SER LIVRE?

Se voltar a ler a história "O CLIQUE", provavelmente compreenderá o que me ajudou a começar a criar o JOURNAL POSITIF.

Mas há uma diferença entre "decidir dizer sistematicamente ao conhecer alguém novo que é seropositivo" e "iniciar um blog afirmando a sua identidade, sem se esconder".

Qual é a finalidade de não querer mais ser anónimo?

O objectivo é pôr fim à imagem que as pessoas têm do VIH, humanizar o VIH e parar de o demonizar, dizer que nós, os portadores do vírus, lutamos para que as nossas vidas sejam o mais normais possível e que VOCÊ, o desinformado, está a dificultar-nos muito as coisas.

Há toda uma fantasia em torno do VIH que me deixa pessoalmente desconfortável porque está completamente ultrapassada. Nos anos 80 e 90, fomos bombardeados pelos meios de comunicação com imagens muito fortes que infelizmente estavam ligadas à morte, porque esta realidade existia. Só que, desde que os tratamentos apareceram, a comunicação sobre o VIH continua a ser essencialmente preventiva. A pouca comunicação que é feita para transmitir mensagens positivas passa completamente despercebida. Porque é que isto acontece? Porque um cartaz no metro já não tem qualquer impacto nas pessoas. Para ser ouvido, é preciso ser sensacionalista. Como exemplo, foi isto que Act Up fez desde o início da sua acção e funcionou.

Para não ser tonto, ninguém se preocupa com o VIH e a SIDA. A população gay é completamente serofóbica e a população heterossexual é completamente despreocupada. Não vou entrar em números e percentagens, mas provavelmente seria interessante saber.

De um modo geral, os seres humanos estão em negação. Desde que não sejam "atingidos" por um assunto, não estão interessados no mesmo.

Vou traçar um paralelo, que poderão achar desajeitado, com os ataques que temos vindo a sofrer em França desde há vários anos.

Pessoalmente, fiquei muito chocado com a reapropriação emocional que os franceses fizeram deles. Preciso de vos lembrar que este tipo de coisas acontece todos os dias em países que não o nosso, sem que sejamos movidos por elas? Será que uma bomba tem de explodir diante dos nossos rostos para que possamos acordar?

Finalmente, a existência do blog é um verdadeiro desafio porque estou a tentar comunicar sobre um assunto que não interessa a ninguém, a menos que sejam confrontados com ele e tenham de se interessar por ele.

Não vou voltar ao facto de que sou um espécime sortudo no que diz respeito à doença. Estou a pensar especialmente naqueles que por vezes duvidam, quebram, sentem-se sozinhos, exaustos. Senti tudo isto apesar de estar rodeado de pessoas e penso que as minhas palavras, sem qualquer pretensão, talvez as possa suavizar e tranquilizar.

Quem me dera ter lido este tipo de texto há dez anos. Eu teria adorado conhecer alguém que me dissesse: "Meu, sou seropositivo, estou feliz e tu vais ser feliz.

Os médicos disseram-me, os meus amigos certificaram-se que eu estava, a minha família certificou-se que eu estava, e demorei dez anos a compreender que eu podia de facto estar. Para ser realmente assim, tive de falar, de deixar de me esconder, de deixar de me esconder atrás de mentiras, de coisas não ditas.

Gostaria de traçar novamente um paralelo, mas desta vez com a comunidade homossexual.

Finalmente, esta não é a primeira vez que tenho de esconder o que sou. Antes disso, tive mais ou menos de esconder o facto de preferir rapazes. Mais vale dizer-vos que quando crescerem no Périgord, não serão realmente convidados a assumir a vossa homossexualidade. Portanto, houve este automatismo, este reflexo que adquiri desde muito jovem para não ser eu.

Não saí por minha conta ou voluntariamente. Não o fiz porque não conseguia guardar mais o segredo, ou porque estava apaixonado e queria gritá-lo dos telhados.

Eu tinha 16 anos de idade. O meu pai tinha percorrido o meu quarto e encontrado alguns números da revista TÊTU, pelo que me tinha mais ou menos "apagado" apesar de mim.

Por isso nunca tive de revelar que era homossexual, foi-me tratado. Mas o que ainda estava muito em vigor era este mecanismo de guardar as coisas para mim, de as manter em silêncio. Mentir por omissão foi o que eu sempre soube e tornou-se a minha zona de conforto.

Mas agora estou a aproveitar a oportunidade para me analisar um pouco mais.

Nunca me senti parte da comunidade gay e sempre me perguntei porquê. Provavelmente porque afinal não tive tempo para precisar dele, pois tive o apoio da minha família e amigos muito rapidamente.

Portanto, sim, andei um pouco no Marais, mas mais pela arquitectura da zona e pelos seus bares e locais de cruzeiro. No entanto, esta comunidade é necessária porque nem todos nós temos a mesma sorte.

Muitas pessoas interrogam-se se o Orgulho Gay ainda é legítimo e porque é que continua a ser tão provocador? Porque os nossos direitos ainda são muito frágeis e a nossa liberdade de existir ainda está ameaçada.

Provocar para que exista: esta parece ser a única forma de ser ouvido.

Porquê traçar um paralelo com o VIH?

Porque o assunto é tão desconfortável, como rejeitar, como silenciar (se não mais, infelizmente).

E porquê?

Pelas mesmas razões: porque as pessoas que não se sentem preocupadas não se informam, não estão sequer interessadas no assunto. Vivemos num mundo em que as redes sociais são utilizadas para partilhar vídeos de gatos a fazer caretas, em vez de abordar as questões realmente importantes.

O VIH não é o único, é claro. No final, é apenas uma desculpa para falar do absurdo do que fazemos com as nossas vidas.

Voltando ao blogue, percebi que nem todos se interessariam por ele. Devo, portanto, questionar-me? Foi um problema de conteúdo?

Não sou um autor. Escrevo e componho as minhas histórias da forma como falo, por isso é provável que possa ser muito desagradável ler para algumas pessoas. Mas não é essa realmente a questão. Não importa que eu teca um blogue esteticamente agradável, que eu publique as minhas histórias às 18 horas porque é isso que precisa de ser feito, que eu não diga muitas coisas ao mesmo tempo para deixar o leitor à espera. Quase perdi o desejo de continuar a escrever por causa de todos os comentários.

Este blog destina-se a ser autêntico, não filtrado. Demorei tanto tempo a libertar a minha voz sobre o VIH, sobre a minha homossexualidade, para ser eu.

Informar, comunicar, criar ligações, ser livre: é disto que se trata o JOURNAL POSITIF.


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